Há trinta e quatro anos, convivi alguns meses com o hoje professor André Singer. Era o período da campanha eleitoral de 1976. Aos sábados e domingos, ele e um colega vinham até a Vila Brasilândia participar da campanha à vereança do Benedito Cintra.
Estudantes de Ciências Sociais da USP, para eles a campanha tinha duas motivações básicas: contribuir com uma candidatura popular de oposição à ditadura e manter um contato direto com o povão da periferia.
Recentemente, troquei mensagens eletrônicas com o André Singer e, entre outros assuntos, ele me disse que aquele período de militância com os moradores da Brasilândia foi uma das experiências mais ricas e marcantes de sua vida.
A recíproca também é verdadeira. Isolados no fundão da periferia, em pleno regime militar, compartilhar militância e debates políticos com o efervescente movimento estudantil da época, do qual o André era um quadro, contribuiu bastante para nossa formação.
Esse prolegômeno todo é apenas para meter a colher no debate proposto pelo Walter Sorrentino em seu blog, a respeito de um artigo do André - "Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo".
Dois pontos, no artigo, são relavantes: o deslocamento do subproletariado e, com ele, do seu "conservadorismo popular", para as bases do presidente Lula, e a perda de centralidade dos estratos médios, até então considerado os principais formadores de opinião no país.
O André chega a essas conclusões a partir de diversas pesquisas e da análise comparativa dos votos de Lula em 2002 e 2006. Para ele, as pesquisas e as análises atestam essa alegada mudança de base social do Lula.
Com isso, sempre segundo as respeitáveis opiniões do autor do texto, há um embaralhamento na tradicional dicotomia entre esquerda e direita no país. A "classe média" de esquerda fica órfã e sem discurso, e a direita, em contrapartida, perde o subproletariado, seu eleitorado tradicional.
Pela lógica do estudo, publicado em revista da USP, os partidos políticos, principalmente os de esquerda, passam a ter papel subalterno. No vácuo, surge " o lulismo", espécie de representação política das massas, acima da luta de classes e das polarizações ideológicas.
Ocorre que na Venezuela, na Bolívia, no Equador, na Nicarágua e na própria Argentina, para citar alguns exemplos na América Latina, as bases sociais dos governos progressistas se aproximam muito das bases do "lulismo".
Na Bolívia, os departamentos mais ricos pregam o separatismo, em Caracas a oposição ganhou as eleições e em Buenos Aires os Kirchners sempre perdem as eleições.
Nesses países também os partidos políticos têm peso relativamente menor do que o "Estado-provedor", mesmo considerando-se os tradicionais MAS, na Bolívia, os sandinistas, na Nicarágua e o complexo peronismo na Argentina.
Emerge um problema de razoáveis proporções. As mudanças progressistas na América Latina sofrem forte bombardeio da mídia direitista. O impacto é neutralizado no povão, beneficiários diretos dos programas sociais.
Mas os tais estratos médios acham que pagam a conta, via impostos, desses benefícios que não os atinge. Além disso, são mais vulneráveis aos discursos moralistas e/ou terroristas da mídia, que martelam sempre na tecla da corrupção ou do perigo de esses governos desembocarem em uma "ditadura" de esquerda.
O estilo conciliador do governo Lula e seu imenso prestígio nacional e internacional jogam água no chope da direita. Quanto mais batem no governo, mais ele cresce. Aqui há particularidades que merecem reflexão.
Ademais, há que se considerar que o governo Lula, para além de sua heterogênea base parlamentar, tem amplo apoio entre setores organizados que não se enquadram na categoria de subproletários.
Destaco o apoio das seis principais sindicais brasileiras, fato inédito na história política recente do país, e de boa parte do movimento estudantil, comunitário, de mulheres, negros etc. Isso sem falar em setores econômicos que vão bem, obrigado, com a atual política.
Os subproletarários podem ser considerados inorgânicos do ponto de vista da representação. Já os militantes dos partidos políticos de esquerda e das organizações sociais que apoiam o governo Lula integram, em boa parte, os estratos médios.
Essa gelatinosa "classe média", sempre se divide: uma parte abastece a direita, outra flutua no centro, e um setor compõe, sem dúvida, um dos pilares chaves da esquerda. Sempre foi assim. Houve uma revolução no pensamento político desse estrato?
A resposta não é simples. A fratura entre o governo Lula e certos setores médios não foi ampla, geral e irrestrita. Podem ter migrado por várias razões e para várias direções.
Segmentos despolitizados, que formam opinião lendo Veja, Folha ou assistindo a Globo, podem ter recuado para a direita, tucanado. Outros, se deslocaram para o esquerdismo (PSOL, PSTU e adjacências).
É razoável trabalhar com um relativo realinhamento de bases sociais. Esse movimento pode até ter atingido o ímpeto militante de frações de esquerda que se mantém alinhadas com o governo Lula.
Tudo somado, acho temerária a conclusão de que houve mudanças das próprias placas tectônicas que sustentam o edifício político e ideológico da esquerda. Não chega a ser um tsunami político, mas é pouco dizer que se trata apenas de marola.
Não se deve esquecer que nunca antes na história deste país a esquerda conseguiu chegar ao governo, mantê-lo na reeleição e prosseguir com grandes possibilidades para uma terceira vitória do ciclo progressista. A regra geral,recorde-se, era a derrota nas polarizações.
Para obter a maioria política e social, não se pode creditar o fenômeno apenas à chancela política do subproletariado. Incorporar essa massa de dezenas de milhões ao nosso projeto político terá sido uma vitória estratégica para o nosso campo.
Tudo isso, no entanto, precisa estar umbilicalmente ligado aos setores social e politicamente mais organizados. O grande desafio, talvez, seja recuperar parte dessas ovelhas desgarradas, sem novas perdas.
Não apenas com discursos, mas principalmente com um aprofundamento das mudanças progressistas que resgate as convicções libertárias da maioria dos brasileiros. São opiniões preliminares de um debate fecundo. Aceita-se de bom grado contraditas.
Opiniões, comentários e notas sobre política, sindicalismo, economia, esporte, cultura e temas correlatos.
sábado, 9 de janeiro de 2010
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Lula, o filho do Brasil
Nestas duas últimas semanas, curtindo um período de baixa temporada em São Paulo, eu assisti a cinco filmes. Comparei as críticas e avaliações em um jornalão paulista.
"Paris" recebeu três estrelas (bom), , "Nova Iorque, Eu te Amo" duas estrelas (regular), "Ervas Daninhas" quatro estrelas (ótimo), "Bastardos Inglórios" quatro estrelas (ótimo) e, o ponto fora da curva, "Lula, o Filho do Brasil" uma estrela (ruim).
Os filmes estrangeiros, cada um a seu modo, tratam das vicissitudes contemporâneas da pequena burguesia. Crises amorosas, conjugais, existenciais ou profissionais e, no caso de "Bastardos Inglórios", feridas não cicatrizadas da II Guerra.
Para esses filmes não se economizam adjetivos. Alain Resnais é o gênio da raça, Quentin Tarantino não perde o pique, e por aí vai. Para mentes prisioneiras do colonialismo cultural, seria out falar mal e in louvar esses filmes.
Não que cada um deles não tenha suas qualidades. Tem. Mas quando se fala de "Lula, o Filho do Brasil", de Fábio Barreto, a saga do mais ilustre retirante nordestino, só há críticas preconceituosas e elitistas.
Há até uma mal disfaçarda torcida para que o filme não tenha bom público. O que mais incomoda esses "eruditos" senhores é que o filme joga mais água no imenso caudal de popularidade do presidente.
Vá lá que não estamos diante de uma obra-prima. O filme potencializa os aspectos dramáticos da vida de Lula e sua família, mostra o perfil conciliador do presidente mesmo quando líder sindical. Tem um apelo emotivo pesado para atingir o fundo da alma do povão. É do jogo.
Agora, jogar o filme do filho de dona Lindu na lata do lixo é sectarismo em dose cavalar. Quem puder assistir ao filme (os ingressos são salgados para o público-alvo do mesmo) eu aposto: será difícil segurar as lágrimas. Isto para quem ainda tem glândulas lacrimais...
"Paris" recebeu três estrelas (bom), , "Nova Iorque, Eu te Amo" duas estrelas (regular), "Ervas Daninhas" quatro estrelas (ótimo), "Bastardos Inglórios" quatro estrelas (ótimo) e, o ponto fora da curva, "Lula, o Filho do Brasil" uma estrela (ruim).
Os filmes estrangeiros, cada um a seu modo, tratam das vicissitudes contemporâneas da pequena burguesia. Crises amorosas, conjugais, existenciais ou profissionais e, no caso de "Bastardos Inglórios", feridas não cicatrizadas da II Guerra.
Para esses filmes não se economizam adjetivos. Alain Resnais é o gênio da raça, Quentin Tarantino não perde o pique, e por aí vai. Para mentes prisioneiras do colonialismo cultural, seria out falar mal e in louvar esses filmes.
Não que cada um deles não tenha suas qualidades. Tem. Mas quando se fala de "Lula, o Filho do Brasil", de Fábio Barreto, a saga do mais ilustre retirante nordestino, só há críticas preconceituosas e elitistas.
Há até uma mal disfaçarda torcida para que o filme não tenha bom público. O que mais incomoda esses "eruditos" senhores é que o filme joga mais água no imenso caudal de popularidade do presidente.
Vá lá que não estamos diante de uma obra-prima. O filme potencializa os aspectos dramáticos da vida de Lula e sua família, mostra o perfil conciliador do presidente mesmo quando líder sindical. Tem um apelo emotivo pesado para atingir o fundo da alma do povão. É do jogo.
Agora, jogar o filme do filho de dona Lindu na lata do lixo é sectarismo em dose cavalar. Quem puder assistir ao filme (os ingressos são salgados para o público-alvo do mesmo) eu aposto: será difícil segurar as lágrimas. Isto para quem ainda tem glândulas lacrimais...
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