segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A dura vida dos brasileiros no Japão

Francisco Freitas é um cearense de 50 anos que chegou em São Paulo aos 13. Operário vidreiro e militante do PCdoB, desde fevereiro de 2000 está no Japão. Atualmente é vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos, Maquinários e de Informática do Japão.

Bati um longo papo com ele a respeito do cotidiano dos brasileiros naquele país. Vou tentar resumir as informações e opiniões do Freitas a respeito da saga dos 312.582 brasileiros (dados oficiais de dezembro de 2008) que vivem e trabalham no Japão. Antes, é preciso dizer que 46 mil voltaram ao Brasil, só este ano,  devido à crise econômica.

Chama-se dekassegui as pessoas que "saem para trabalhar" no Japão, sejam elas estrangeiras ou do interior do próprio país. O relato aqui, portanto, refere-se aos dekassegui brasileiros, seus descendentes e familiares.

Os descendentes de japoneses de primeira geração são conhecidos como "issei". Os da segunda geração "nissei",  da terceira "sansei" e, por último, os da quarta geração, não reconhecidos pelo governo japonês, são chamados "yonsei".

Esses dekassegui brasileiros concentram-se principalmente em Aichi (79.156 pessoas), Hamamatsu (51.441), Mie (21.688) e Guma (17.522). A grande maioria só fala português, não aprende o japonês porque no local de trabalho, nas escolas, nas igrejas, no comércio e nas atividades culturais e de lazer todos se comunicam em português.

Pela televisão paga ou pela Internet, eles assistem programas das Redes Globo e Record ou da IPC, televisão regional da comunidade brasileira. Tudo do Brasil é disponibilizado no Japão.

Lá tem escolas, shopping centers, padarias, açougues, lojas de departamentos, sorveterias, restaurantes e bares de propriedade de brasileiros e que vendem mercadorias e oferecem serviços tudo "made in Brazil".

É possível se encontrar com facilidade desde as roupas da moda, exibidas pelas novelas, até a cachaça Ypioca, guaraná Antarctica, cerveja, além do famoso arroz com feijão, biscoitos, doces e por aí vai. A vida noturna vai até onze horas ou meia-noite, diferentemente daqui.

Os brasileiros formam a terceira colônia no Japão (chineses e coreanos são as principais) e são originários principalmente dos estados de São Paulo e do Paraná. Por isso, no futebol, só há três torcidas organizadas (Corinthians, São Paulo e Palmeiras). Eles assistem jogos em grupo, marcam campeonatos de futebol de campo ou futsal, formas de liberar a vida estressante que levam no Japão.

Como aqui, lá também se multiplicam  templos de todas as religiões, desde a católica até a Igreja Universal e outras denominações evangélicas e pentecostais.

Também há escolas de samba e um carnaval organizado por brasileiros em Tóquio, músicas de todos os tipos e frequentes visitas de artistas brasileiros por lá. Zico é idolatrado, tem até uma estátua dele em uma cidade.

Os japoneses são cortezes, a polícia é civilizada, mas o combate às drogas é implacável, não perdoa nem o usuário eventual. Recentemente, uma cantora foi e continua presa por estar portando cinco gramas de maconha.

Mas nem tudo são flores. Na verdade, quase tudo não são flores. Dessa grande comunidade, quase 54 mil são crianças, adolescentes e jovens, privados de uma boa educação. As escolas dirigidas por brasileiros são precárias, não há grade curricular e o nível dos professores, todos brasileiros, é baixo. O MEC homoloogou algumas escolas, mas o problema persiste. Teme-se que toda uma geração esteja apartada de conhecimentos básicos para a vida e atividade profissional.

Além da má educação, a saúde também é um problema. A minoria que tem seguro-saúde paga 30% pelas consultas, exames ou cirurgias (o governo complementa com 70%). Mas os preços são proibitivos e até os 30% arrancam o couro do cidadão. Pior: a maioria só tem acesso se pagar tudo, não existe um sistema único e universal de saúde público.

A tragédia maior é o mercado de trabalho. Os dekassegui brasileiros trabalham, em sua maioria, em montadoras e indústrias eletrônicas, com mão-de-obra intermediada por empreiteiras. O salário-hora básico é doze dólares, baixo para o alto custo de vida. Só ganham quando trabalham!

Embora a jornada de trabalho seja de oito horas diárias, cinco dias por semana acrescidos de dois sábados de trabalho por mês, a maioria dos brasileiros trabalha de doze a catorze horas diárias. As horas extras são necessárias para compor o orçamento.

Além disso, esses trabalhadores moram em apartamentos ou alojamentos dos patrões, pagando aluguéis proibitivos, agravados pelas altas taxas de água, luz e telefone.

Os imigrantes são considerados trabalhadores de segunda categoria, submetidos a um trabalho extenuante e rígida disciplina de trabalho, com menos direitos do que os trabalhadores japoneses. Enquanto estes gozam de férias e folgas remuneradas, os brasileiros, não.

Com a recessão no Japão, tudo piorou. Houve demissões em massa e alguns ficaram sem trabalho e sem teto, chegando até a morar debaixo de viadutos.

O governo japonês chegou a propor uma "ajuda" aos desempregados. Três mil dólares para cada trabalhador e dois mil para cada membro da família, com a condição de nunca mais voltar ao Japão.

Com os protestos, pressão internacional e até a intervenção do presidente Lula e do Itamaraty, houve uma pequena flexibilização. Quem sair do Japão recebe a ajuda e pode voltar depois de três anos. Cerca de dez mil brasileiros solicitaram o benefício, metade dos quais foi atendida.

Como é regra nos países capitalistas, na hora de alavancar a economia os imigrantes são recebidos de braços abertos. Praticamente todos os brasileiros estão legalizados, com visto. Com a crise, veio o pé na bunda.

Há que se registrar a solidariedade dos sindicatos japoneses e outras organizações que procuram colaborar com os trabalhadores estrangeiros. Mas a situação não é fácil. A mulher trabalhadora imigrante, por exemplo, quando fica grávida, geralmente é demitida sumariamente.

Vivendo para trabalhar e não trabalhando para viver, embora de espírito alegre mesmo na adversidade, é dura a vida dos brasileiros no Japão. O pior é que não conseguem acumular recursos para viabilizar um retorno em melhores condições ao Brasil.

Muitos sonham em voltar. Este sonho não é tão forte porque a violência urbana no Brasil, praticamente inexistente no Japão, tem um impacto muito grande nos corações e mentes desses brasileiros. E as possibilidades de ter emprego aqui sempre são uma hipótese, nunca uma certeza.

Um comentário:

  1. Querido Nivaldo
    Descobri só hoje seu blog e já coloquei no topo da minha lista de favoritos. Sucesso na empreitada
    Grande abraço do camarada
    Pedro Venceslau

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