domingo, 21 de março de 2010

A autocrítica do professor Yoshiaki Nakano

O professor Yoshiaki Nakano é diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, a famosa FGV. Eu o conheci pessoalmente quando ele foi secretário da Fazenda do governo Mário Covas. O programa de governo de Covas se apoiava, segundo ele próprio, em dois pilares: reestruturação do estado e reengenharia financeira.

Reestruturação do estado foi uma expressão pomposa para designar privatização. Com o PED - Programa Estadual de Desestatização - São Paulo terá feito talvez o maior programa de privatização entre todos os estados. As ideias dominantes, na época, eram menos estado e mais mercado.

Reengenharia financeira, na sofisticada retórica do PSDB, era a aplicação de um duro programa de ajuste fiscal. Para equacionar o crescimento geométrico da dívida, o estado de São Paulo firmou um acordo leonino com a União, no período de FHC. Esse acordo incluiu, entre outros pontos, a federalização e posterior privatização do Banespa e um comprometimento anual de 13% da receita do estado para pagamento de débitos com a União.

Tudo isso atendia pelo nome de neoliberalismo, conceito mágico que passou a orientar os governos do PSDB. O professor Yoshiaki Nakano fez parte do núcleo duro do governo Covas e foi corresponsável por essa política que, até hoje, tantos males tem causado ao estado. 

Isso tudo faz parte da história. O motivo desse texto, no entanto, é comemorar a autocrítica do professor Nakano, que corajosamente mostra a falência do ideário neoliberal. Os últimos artigos do professor, publicados na "Folha de S. Paulo", merecem ser lidos com atenção. 

Neste domingo, 21, por exemplo, Nakano diz, entre outras pérolas:

1. "A grande crise e o colapso do sistema financeiro nos EUA e na Europa,  em 2008, tornaram a intervenção maciça do Estado uma necessidade absoluta, marcando o fim dessa ideologia neoliberal".

2. "No Brasil, sabidamente a partir da década de 90 (a Era FHC, acrescentamos), a opinião pública foi dominada pelo pensamento neoliberal. As políticas públicas passaram a ser formuladas com base na perspectiva de que, quanto menos Estado, melhor".

3. "Retirou-se da função-objetivo do Estado a promoção do desenvolvimento econômico e mesmo a geração de emprego. Destruiu-se a capacitação técnica de pensar e planejar a longo prazo e, estrategicamente, o futuro do país".

Apesar de crítico do socialismo e do chamado atraso patrimonialista do Estado, o professor Nakano considera que, "agora, abre-se um período de reflexão sem os mitos e dogmas do livre mercado, que cerceavam o livre pensar, estabeleciam os limites do que pessoas sérias e respeitáveis poderiam falar. Falar em desenvolvimento econômico deixou de ser assunto de economista desocupado, como censurava um ministro do governo anterior". Governo anterior ao atual governo Lula, registre-se.

"Em suma", resume o professor, "o Brasil está se libertando dos grilhões e da cegueira imposta pelo pensamento dominante do último quarto de século. Com isso, caminhamos para maior pragmatismo e convergência de pensamento, com perspectivas de retomarmos o projeto nacional de desenvolvimento, interrompido em 1980."

Das duas, uma: ou o professor Nakano ensaia uma inflexão teórica para nublar as diferenças programáticas e de projetos políticos, agenda central da disputa presidencial deste ano, para descobrir um discurso palatável para a candidatura Serra, ou ele, efetivamente, se reposiciona e rompe com os dogmas tucanos. Neste último caso, terá que embarcar na canoa de Dilma e singrar por mares nunca dantes navegados.

4 comentários:

  1. O prof. Nakano sempre foi daquelas figuras cuja opinião, mesmo que muito diferente das nossas, sempre se deve levar em consideração. Apesar dos tucanos falarem muitoem gestão, o pouco que se fez em gestão no gov. de SP foi feito ainda sob o governo Covas, com Nakano à frente, como o Pregão Eletrônico, por exemplo.

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  2. Caro senhor Santana,

    Parabenizo-lhe por seu post, muito importante e esclarecedor. Porém, sou militante também e acho importante fazer justiça ao professor. Ainda quando Covas era vivo, Yoshiaki Nakano era um crítico ferrenho da abertura econômica. Pegue as matérias e entrevistas da época (se não me engano, há uma longa entrevista na VEJA ou ISTO É, essas revistas me parecem a Caras da politica e são iguais). Evidentemente, o professor nunca foi um socialista, mas era um realista em termos de economia brasileira e não era um defensor do neoliberalismo como política econômica para o Brasil, ao contrário. Assim como Covas, o professor era um dos críticos das diretrizes do PSDB. Se compararmos Lula ao professor, Nakano se parecerá com um esquerdista que nem cabe mais dentro do PT; Um abraço!

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  3. Patrícia, vou procurar a entrevista do professor Nakano, para avaliar melhor o seu pensamento. Mas o texto fala da prática concreta do ex-governador Covas e sua equipe: reengenharia do estado e saneamento financeiro eram os pilares sobre os quais se sustentava a filosofia do governo. Sem pérolas retóricas, eles poderiam dizer diretamente neoliberalismo, mais mercado e menos estado. Obrigado pela gentileza do comentário.

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  4. Faço pesquisas constantemente, e não acesso todos os sites. O seu site porém, é um ponto de acesso inevitável realmente. É admirável!

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