Reclamação Nº 624 ( ARNALDO VERSIANI ) - Decisão Monocrática em 21/01/2009
Origem: SÃO PAULO - SP Resumo: FIDELIDADE PARTIDÁRIA - SUPLENTE - GARANTIA DA AUTORIDADE DE DECISÃO DO TSE - PEDIDO DE LIMINARDecisão: DECISÃOPedro Antonio Bigardi, “quarto suplente de Deputado Estadual eleito pela Coligação PT-PC do B" , ajuíza reclamação contra ato praticado pelo Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, que, em processo administrativo, concluiu pela prática de infidelidade partidária, capaz de gerar a perda do direito de ser empossado, na existência de vagas em número suficiente, até então titularizado pelo reclamante.Sustenta-se, nesta reclamação, que o ato nº 03 da Presidência da ALESP (DOE de 01/01/2009), ao deixar de “respeitar a ordem de suplência, por considerar que o reclamante teria praticado ato de infidelidade partidária", teria ofendido o disposto na Resolução/TSE nº 22.610/07, segundo a qual a desfiliação partidária sem justa causa, para que possa gerar suas conseqüências jurídicas, deve ser apurada em processo judicial, de competência da Justiça Eleitoral, e no âmbito do qual será exercida a garantia constitucional do devido processo legal.Afirma-se, ainda, que “não poderia o ato aqui questionado desprezar olimpicamente a Resolução 22.610 e, não bastasse isso, usurpar competência que é da Justiça Eleitoral para, sem respeitar a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal, julgar sumariamente o reclamante, cassando-lhe o direito à 4ª Suplência e convocando o 5º Suplente para ocupar o seu lugar" (fls. 07 - sem grifos no original).Postula-se, liminarmente, a suspensão do ato reclamado, com a imediata posse do reclamante no cargo de Deputado Estadual (pois o 5º suplente, em razão do que assentado pela Presidência da ALESP, já foi convocado para assumir a respectiva vaga), e, no mérito, a definitiva cassação do mencionado provimento, “tornando definitiva a posse do reclamante até ulterior decisão da Justiça Eleitoral, a ser proferida em eventual processo judicial de apuração de desfiliação imotivada" (fls. 13).É o relatório.Decido.A reclamação é cabível unicamente em duas taxativas hipóteses: a) para preservar a competência do Tribunal e b) assegurar o cumprimento das suas próprias decisões.Inicialmente, não conheço da presente reclamação, no ponto em que sustenta que o ato impugnado teria descumprido o constante da Resolução/TSE 22.610/2007.Isso porque, para que seja cabível o instrumento da reclamação, é necessário que a decisão desta Corte, cuja autoridade esteja sendo descumprida, tenha sido proferida na análise de um caso concreto, no qual também figure como uma das partes o autor da reclamação.Isso significa não ser cabível o uso da reclamação como sucedâneo de recurso, como instrumento de adequação do entendimento das Cortes de origem à jurisprudência predominante neste Tribunal Superior ou como meio de se controlar a interpretação que tem sido dada aos atos normativos gerais emanados desta Corte. Desse modo, sempre que a parte interessada entender que orientações genéricas e abstratas do TSE foram descumpridas por autoridades judiciais ou mesmo administrativas, deve ela fazer uso dos recursos ou ações judiciais cabíveis, não sendo possível a utilização per saltum da reclamação (Rcl-AgRg 564, Rel. Min. Fernando Gonçalves; Rcl 586, Rel. Min. Marcelo Ribeiro; Rcl-AgRg 492, Rel. Min. Ari Pargendler; Rcl-AgRg 566, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior). Há, contudo, nestes autos, outra alegação que, essa sim, mostra-se revestida de densa plausibilidade jurídica. Isso porque a presente reclamação também traz, como fundamento, a possível usurpação pelo ato impugnado da competência conferida pelo Supremo Tribunal Federal à Justiça Eleitoral, para fins de processamento e julgamento de todo e qualquer processo fundado em ato de desfiliação partidária sem justa causa.Em verdade, a eventual perda de mandato não se traduz em conseqüência automática, derivada do ato de desfiliação partidária, pois sempre poderá ser invocada pelo parlamentar a ocorrência de qualquer uma das situações definidas como "justa causa" , capazes de justificar e conferir legitimidade ao ato de migração.Nesse contexto, compete à Justiça Eleitoral, e apenas a ela, apreciar a existência, ou não, em cada caso concreto, da referida situação caracterizadora de justa causa, assegurando-se, sempre, ao parlamentar representado o pleno exercício das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.Além disso, não se pode ignorar que essa competência exclusiva da Justiça Eleitoral foi estabelecida pelo próprio plenário do Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento do MS 26.603, Rel. Min. Celso de Mello, deixou expressamente assentado ser da Justiça Eleitoral (o TSE, em caso de Deputado Federal, e o TRE, em caso de Vereadores ou Deputados Estaduais) a atribuição constitucional de apurar e julgar todas as representações fundadas em ato de possível infidelidade partidária. Daí porque aquela Suprema Corte exortou o TSE a editar Resolução capaz de disciplinar a ritualística a ser observada no julgamento dos referidos processos. É o que se observa da seguinte passagem do Ministro Celso de Mello:Na realidade, Senhora Presidente, e em face, precisamente, de tais premissas, torna-se necessário assegurar, ao Deputado, naqueles casos em que se justificar o ato de sua voluntária desvinculação do partido político pelo qual se elegeu, o direito de resguardar a titularidade do mandato legislativo, exercendo - quando a iniciativa não for da própria agremiação partidária - a prerrogativa de fazer instaurar, perante órgão competente da Justiça Eleitoral (o TSE, tratando-se de Deputado Federal), procedimento em cujo âmbito se lhe viabilize a possibilidade de demonstrar a ocorrência das exceções justificadoras da desfiliação partidária.Isso permitirá, ao parlamentar interessado, quer seja dele ou do partido político de origem a iniciativa de referido procedimento (de jurisdição voluntária) perante a Justiça Eleitoral, justificar a concreta configuração de causas legitimadoras da desfiliação partidária, tais como “a existência de mudança significativa de orientação programática do partido" ou de “prática odiosa de perseguição" , como a elas se referiu, em douto voto proferido na Consulta nº 1.398/DF, o eminente Ministro CEZAR PELUSO.Com tal medida, e observada a garantia da plenitude de defesa e do contraditório, sempre invocável em qualquer procedimento estatal (judicial ou administrativo), legitimar-se-á, então, a eventual adoção, por parte da Presidência da Casa legislativa, e a requerimento do partido político interessado, quando for o caso, de providência destinada a tornar efetivo o direito da agremiação partidária de ver preservada a vaga obtida nas eleições proporcionais, com o conseqüente afastamento do Deputado que dessa mesma agremiação se desligou em momento posterior ao de sua eleição, convocando-se o respectivo suplente.Nada impedirá que o E. Tribunal Superior Eleitoral, à semelhança do que se registrou em precedente firmado no caso de Mira Estrela/SP (RE 197.917/SP), formule e edite resolução destinada a regulamentar o procedimento (materialmente) administrativo de justificação em referência, instaurável perante órgão competente da própria Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento, valendo-se, para tanto, se assim o entender pertinente, e para colmatar a lacuna normativa existente, da “analogia legis" , mediante aplicação, no que couber, das normas inscritas nos arts. 3º a 7º da Lei Complementar nº 64/90.Observo que a fórmula da resolução ora sugerida, a ser eventualmente editada pelo E. Tribunal Superior Eleitoral, representou solução idealizada no julgamento plenário do já mencionado RE 197.917/SP e foi considerada inteiramente constitucional, por esta Suprema Corte, quando da apreciação da ADI 3.345/DF, de que fui Relator, em decisão que julgou improcedente referida ação direta.Entendo, Senhora Presidente, que, se esta for a compreensão do Supremo Tribunal Federal, assegurar-se-á, ao partido político e ao parlamentar que dele se desligar voluntariamente, a possibilidade de, em sede materialmente administrativa e perante a Justiça Eleitoral, justificar, com ampla dilação probatória - e com pleno respeito ao direito de defesa -, a ocorrência, ou não, das situações excepcionais a que se referiu o E. Tribunal Superior Eleitoral em sua resposta à Consulta nº 1.398/DF, para que se possa, então, se e quando for o caso, submeter, ao Presidente da Casa legislativa, o requerimento de preservação da vaga obtida nas eleições proporcionais.A leitura do trecho acima (acompanhado pelo Plenário da Corte) evidencia ainda mais que, para que haja a perda do mandato ou, no caso de suplência, a perda do direito de respectiva precedência na hipótese de vagas, é imperiosa a instauração de processo, em cujo âmbito será discutida a presença, ou não, de situação caracterizadora de justa causa e a legitimidade, ou não, do ato de migração. E esse processo, nos termos do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, é de competência exclusiva da Justiça Eleitoral, não podendo se desenrolar perante nenhum outro órgão.Nesse contexto, viola a competência da Justiça Eleitoral em geral, e do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo em particular, ato da Presidência da ALESP que, fundado em procedimento interno, processa, julga e condena um dado parlamentar ou suplente de parlamentar, por eventual prática de ato de infidelidade partidária, impedindo-lhe, portanto, exercer seu respectivo mandato até que a Justiça Eleitoral (única competente para a matéria), se for o caso, aprecie a respectiva representação e analise todos os fundamentos defensivos ali desenvolvidos.Não pode a Casa Legislativa, substituindo-se à Corte Regional Eleitoral, usurpando-lhe a competência, desrespeitando determinação do Supremo Tribunal Federal e lesionando direito do parlamentar, impedir sumariamente a posse de suplente, por entender caracterizada infidelidade partidária. A ocorrência, ou não, da infidelidade (nem sempre presente em todo ato de migração partidária) deve imperiosamente ser aferida pela Justiça Eleitoral e, somente após isso, poderá legitimamente gerar todas suas conseqüências jurídicas.Ante todo o exposto, tendo em vista a gravidade da medida e a nítida urgência por ela reclamada (dada a inevitável temporariedade dos mandatos políticos) e considerando, ainda, que a competência usurpada pelo ato impugnado é da Corte Regional Eleitoral, e não deste Tribunal Superior, determino a remessa desta Reclamação ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo. Tal remessa deverá ser efetivada com toda urgência e independentemente da publicação da presente decisão.Encaminhe-se, com igual urgência, à Presidência da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo cópia da presente da decisão.Intime-se.Publique-se.Brasília, 21 de janeiro de 2009.Ministro ARNALDO VERSIANIPresidente em exercício (RI/TSE, art. 17)
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